publicado em 01/11/2021
As operações de fusões e aquisições envolvem várias fases desde o início das conversas entre as partes até a sua conclusão na data do fechamento. Em todas essas fases, os aspectos trabalhistas desempenham um papel
importante no processo de M&A.
 
Fase de estratégia: A fase de estratégia da operação de M&A refere-se à identificação 1) por um potencial comprador sobre a necessidade de expansão de seus negócios ou uma oportunidade de investimento, ou 2) por um
potencial vendedor sobre a necessidade de alienação de sua companhia ou de ampliação dos negócios mediante a entrada de um parceiro estratégico. Em qualquer um dos casos, aspectos relacionados à forma de contratação, de
administração e relacionamento com empregados e dirigentes, bem como a estratégia de negócios e como essas partes se interrelacionam são alguns dos aspectos analisados por cada uma das partes envolvidas.
 
Tratativas preliminares: Uma vez ocorrida a aproximação das partes, iniciadas as tratativas preliminares e estabelecidos os termos e as condições gerais da operação, as partes normalmente celebram uma carta de
intenções, bem como um acordo de confidencialidade. Em tais documentos normalmente é mencionada a estrutura pela qual será implementada a operação de M&A, refletindo as providências gerais a serem adotadas e observadas,
inclusive com relação aos empregados, por exemplo. Além disso, as partes se obrigam a manter confidencialidade com relação a todas as informações trocadas pelas partes.
 
Auditoria: Uma vez assinados esses documentos, as partes iniciam os processos de auditoria legal, financeira e de rotinas trabalhistas e fiscais, compliance, ESG (environmental, social and governance). As regras gerais para auditoria
trabalhista em processos de fusão e aquisição não são diferentes das regras aplicáveis para as demais áreas a serem analisadas em uma transação.
 
Quando falamos de contratos de trabalho, especialmente no Brasil, há de considerar o fato de que há grandes chances de existir uma série de passivos ocultos dentro de uma empresa que estarão diretamente relacionados ao
seu nível de governança e respeito à legislação trabalhista no curso desses contratos de trabalho. É possível verificar de antemão a existência de indícios desse nível de governança e respeito à legislação levando-se em conta o número de empregados de uma empresa, o turnover (índice ou frequência de demissões e contratações) e o volume de reclamações trabalhistas em curso perante a Justiça do Trabalho, bem como as matérias mais comuns discutidas nessas ações judiciais.
 
Também é possível ter essa percepção inicial a partir da quantidade de infrações administrativas sofridas pela empresa e principalmente pela eventual existência de procedimentos em curso ou já arquivados de iniciativa do Ministério Público do Trabalho.
 
Muitos dos aspectos detectados por esses meios podem dar ensejo à necessidade de correção na forma como a empresa se relaciona com os seus empregados, dirigentes e prestadores de serviços. Todavia, essa verificação não deve ser feita somente com a análise dos assuntos judicializados, mas sim em conjunto com uma análise das rotinas trabalhistas das empresas envolvidas, cujo escopo pode variar entre o momento em que a aquisição e o investimento são pretendidos (verificação de riscos materializados ou provavelmente materializáveis) e o momento em que o controle do negócio é assumido pelo comprador ou investidor, identificando e corrigindo a condução e
gerenciamento dos recursos humanos para mitigar, eliminar ou mesmo assumir riscos para o futuro.
 
No Brasil devemos sempre estar atentos não somente para a folha de pagamento de uma empresa, mas também para as obrigações acessórias que decorrem do simples fato de uma empresa possuir empregados — como a obrigatoriedade de controle de jornada de empregados, a existência de convenções coletivas de trabalho, a
legislação que prevê obrigatoriedade de negociação para distribuição de lucros e resultados com empregados, a obrigatoriedade de contratação de aprendizes e de pessoas com deficiência, entre outras.
 
No cenário atual de crescente número de empresas em formação (startups), é comum se deparar com um nível de gerenciamento agressivo e com alta tomada de riscos por parte dos empresários fundadores de seus negócios para permitir a escalada rápida no crescimento da empresa, adotando práticas que invariavelmente serão tidas, aos olhos das autoridades fiscais e do judiciário, como tentativas de se evitar os altos encargos decorrentes da legislação tributária e trabalhista brasileira.
 
O maior exemplo disso, no âmbito trabalhista, é a presença massiva de contratação de prestadores de serviços autônomos, seja diretamente com esses indivíduos ou por pequenas empresas nas quais eles são únicos sócios ou sócios majoritários, mas que no final do dia trabalham sob o comando, gerenciamento e controle de seus contratantes, como verdadeiros empregados.
 
Negociação e assinatura: Em paralelo à auditoria, as partes iniciam a negociação dos contratos da operação, por exemplo, um Contrato de Compra e Venda de Ações ou Contrato de Compra e Venda de Ativos com Transferência de Empregados.
 
Importante notar que os processos de M&A não levam necessariamente ao desligamento de empregados, porém, caso seja necessário fazê-lo, em tese devem ser atendidos os procedimentos regulares previstos em lei. As empresas devem verificar se esse desligamento poderá ser caracterizado como um desligamento coletivo, de
acordo com o número de empregados envolvidos. Isto ocorre pois, apesar de não existir previsão legal que defina o que é considerado "dispensa coletiva" ou "demissão em massa", a Justiça do Trabalho brasileira sustenta, historicamente, o entendimento de que sempre que o empregador rescindir vários contratos de trabalho ao mesmo tempo, é necessária a prévia negociação com o sindicato dos empregados representante da categoria profissional.
 
Com a promulgação da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17), o Congresso brasileiro tentou mudar esse aspecto, ao incluir o artigo 477-A na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelecendo que as rescisões coletivas e individuais podem ser realizadas pelos empregadores sem a necessidade de negociação prévia com o sindicato dos trabalhadores.
 
 
No entanto, o tema é polêmico e controvertido, sendo que o STF já se pronunciou a favor da obrigatoriedade de envolvimento prévio do sindicato para a realização de demissões coletivas, a qual está prevista na Constituição brasileira e não pode ser impactada pelas mudanças na CLT, que está em nível hierárquico inferior à Constituição Federal.
 
Assim, quando as empresas não quiserem assumir riscos em casos de dispensas coletivas, recomenda-se negociar as condições da demissão em massa, se for o caso, com o sindicato dos trabalhadores, a fim de evitar que as rescisões sejam consideradas nulas, bem como evitar dificuldades como greves e ações coletivas ajuizadas pelo sindicato da categoria para impedir as rescisões.
 
Procedimentos de dispensas coletivas para operacionalizar o chamado "fire and hire" também são muito comuns em transações que envolvam a compra e venda de ativos de empresas, mas não afastam os riscos de sucessão decorrentes da assunção de contratos de trabalho cuja rescisão com o vendedor pode ser descaracterizada pela Justiça do Trabalho, atraindo para o adquirente desses "novos" contratos de trabalho todo o risco decorrente do relacionamento anterior entre esses empregados e seu empregador anterior. A legislação brasileira não veda a rescisão imotivada e unilateral de contratos de trabalho, contanto que as verbas
rescisórias corretas sejam pagas. Portanto, é sempre recomendado sopesar os custos e riscos da implementação de uma estrutura de "fire and hire" em relação a simplesmente prosseguir com a cessão de contratos de trabalho para o novo empregador, lembrando que a simples troca de controle societário de uma empresa não tem poder de alterar os contratos de trabalho em vigor.
 
Como alternativa, em especial em transações cuja estrutura demanda a movimentação de ativos de uma empresa para outra constituída exclusivamente para viabilizar a transação, ou quando é feita uma cisão da parte que será objeto do negócio, há a possibilidade de transferir contratos de trabalho de empregados ativos, sem a necessidade de rescisão desses contratos. Nessa situação, é relevante que uma auditoria legal seja acompanhada de uma investigação de rotinas, bem como do levantamento de benefícios e custos de folhas de pagamento, pois a empresa que receberá os empregados em transferência assumirá integralmente os contratos de trabalho desses empregados.
 
Ainda, no contrato das operações de M&A são descritas as declarações e garantias outorgadas com relação à companhia alvo, incluindo aspectos sobre a observância da legislação trabalhista, status da relação da empresa e seus empregados e existência de discussões e processos trabalhistas. Neste sentido, normalmente também é considerada no contrato a limitação das responsabilidades entre a parte vendedora e a parte compradora, as obrigações de indenização de atos ocorridos antes do fechamento da operação, incluindo principalmente os aspectos trabalhistas, para evitar litígios futuros com relação a responsabilidade sobre as contingências trabalhistas materializadas ou que venham a se materializar após o processo de fusão e aquisição.
 
A assinatura do contrato de M&A também pode disciplinar, se for o caso, condições precedentes para implementação do fechamento da operação, como por exemplo, aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), conclusão da transferência de empregados entre sociedades do grupo econômico do potencial
vendedor, formação de contratos espelho para manutenção de condições não somente relacionadas à operação dos negócios, mas também ao relacionamento com empregados, dentre outras.
 
Fechamento: Concluídas as condições precedentes, se aplicáveis, ocorre o fechamento da operação de M&A, com a transferência das ações da companhia alvo ou os ativos para o potencial comprador. Uma vez concluído o processo M&A, o maior desafio das empresas no âmbito trabalhista está na equalização de políticas internas e harmonização dos salários e benefícios dos empregados, o que deve ser feito sempre observando os direitos adquiridos dos empregados e a isonomia no tratamento das populações provenientes das empresas que participaram da operação.
 
Em todo esse processo é muito importante a participação de assessores jurídicos e financeiros tanto para o levantamento de contingências trabalhistas já materializadas (ou seja que já se transformaram em processo administrativo ou judicial) ou que podem ser materializados (os quais são apenas potenciais contingências mas que
ainda não se transformaram em uma discussão), quanto para a análise da melhor estrutura para a operação e as providências e medidas necessárias para a transferência / dispensa / manutenção de empregados, integração entre novas sociedades e equalização de direitos trabalhistas.
 
Redução de custos e de riscos: Além das cláusulas contratuais sobre limitação de responsabilidades e declarações e garantias para fins de indenização, já comentadas acima, do ponto de vista trabalhista são restritas as medidas que podem ser adotadas com o intuito de se reduzir custos e riscos e que não estejam relacionadas, exclusivamente, a ajustar as práticas trabalhistas de uma empresa conforme legislação aplicável.
 
A legislação brasileira estabelece que direitos trabalhistas dos empregados, estabelecidos em lei, são irrenunciáveis e inalienáveis. A partir desses princípios, somente por meio de negociações coletivas, com a participação dos sindicatos profissionais, ou mediante acordos individuais que recebam a chancela da Justiça do Trabalho (quando efetivamente há uma controvérsia entre empregador e empregados), é possível adotar legalmente medidas que auxiliem as empresas a reduzir custos de sua folha de pagamentos.
 
Em adição à negociação coletiva ou a busca de acordos individuais com a chancela da Justiça do Trabalho, a alternativa possível é a análise das rotinas da empresa adquirida ou incorporada e a correção de práticas visando a redução ou a eliminação de riscos para o futuro.
 
Tendo em vista o acima exposto, diante da dificuldade de adoção de medidas que blindem de fato as empresas contra processos judiciais e administrativos trabalhistas, ressalta-se a importância do estabelecimento de regras de limitação de responsabilidade entre as partes e a outorga pelos vendedores de declarações e garantias que permitam aos investidores e adquirentes terem a indicação da atual situação da empresa (além da verificação realizada em auditoria) e buscarem indenização contra passivos trabalhistas resultantes de fatos anteriores ao fechamento da operação.





Fonte: Site Demarest

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