No apagar das luzes de 2022, especificamente no dia 23 de dezembro, foi publicada, no Diário Oficial do Estado de São Paulo, a mais recente Portaria Normativa do Procon-SP, de nº 229/2022. Em muito boa hora, na medida em que essa portaria estabelece procedimentos da instituição quanto à fiscalização das práticas consumeristas e à eventual imposição de sanções.
A nova portaria é mais detalhista e abrangente que a anterior (Portaria Normativa nº 57/2019), agora expressamente revogada (artigo 65, caput). As normas introduzidas são diversas e o objetivo aqui não é abrangê-las na íntegra, mas apontar, de maneira didática e elucidativa, as mudanças mais significativas. Uma primeira alteração interessante foi a reafirmação do sigilo do procedimento administrativo sancionatório até decisão final (artigo 5º, caput); tal disposição já advinha da Portaria Normativa nº 57/2019 (respectivo artigo 1º, § 1º), e o Procon-SP a ratificou.
É relevante destacar a possibilidade de a regra não perdurar, pela potencial relativização do princípio da publicidade na esfera pública; sobretudo à luz de julgado do STF de março de 2022, na ADI 5.371, que declarou a inconstitucionalidade da tramitação em sigilo de processo administrativo sancionador em duas autarquias federais, prevista, então, em lei federal (e não em portaria normativa, como no presente caso), prestigiando a publicidade dos atos estatais e o interesse da população.
O Procon-SP também reafirmou a obrigatoriedade da utilização da língua portuguesa nos atos fiscalizatórios e nos processos administrativos, impondo a tradução obrigatória, por tradutor juramentado, dos documentos redigidos em língua estrangeira (artigo 6º). A prática eletrônica dos atos fiscalizatórios e processuais ficou confirmada em seção específica (Seção III): se o auto de infração for eletrônico, a tramitação do processo também o será, por meio do acessível sistema Procon-SP Digital (artigo 8, § 1), salvo especificamente quanto ao ato de citação do fornecedor, que será físico. Ainda, o sistema Procon-SP Digita, em atuação desde 2021, vem regulamentado em detalhes em título específico (Título II). Se o auto for lavrado em formato físico, o procedimento também será físico, havendo a possibilidade excepcional de digitalização e tramitação eletrônica (artigo 8º, §§ 2º e 3º). Observamos aqui que certamente haverá um fomento à prática de digitalização dos processos, dada a otimização que um procedimento tramitando sob a forma digital gera. Ainda em relação ao tema, a portaria regulamentou o acesso ao sistema digital, seja pelos fornecedores, seja
pelos representantes legais (artigos 15, 16 e 17).
Como corolário lógico da agilidade que se pretende imprimir no trâmite dos procedimentos administrativos estão as regras relativas às citações, às intimações e às notificações, em especial a obrigação das empresas de manter atualizado o endereço perante o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, bem como regulamenta situações de ausência de endereço, recusa e intimações e notificações ao procurador constituído nos autos (artigo 11). Mais a mais, passou a valer a presunção de correição do endereço que conste em documentos oficiais e site oficial, para fins de citação, intimação e notificação.
A nova portaria também eliminou dúvidas a respeito da contagem de prazos: a data da publicação será o primeiro dia útil subsequente ao da disponibilização no Diário Oficial, e a contagem do prazo terá início do dia útil seguinte ao da publicação (artigo 12, caput e § 1º). O Procon-SP também deixou claro que os prazos serão computados em dias corridos, excluindo-se o dia da ciência e incluindo-se o do vencimento (artigo 13). Aqui vale destacar uma particularidade: se o servidor realizar pessoalmente a entrega do instrumento fiscalizatório ou da citação ao fornecedor, o prazo inicia-se no primeiro dia útil subsequente à entrega do documento (artigo 12,
§ 2º).
Especificamente em relação aos instrumentos de fiscalização, a portaria trouxe de forma detalhada as espécies de fiscalização (artigo 19), sendo que, além dos Auto de Constatação, Auto de Apreensão, Auto de Notificação e Auto de Infração já existentes, criou dois instrumentos de fiscalização: o Registro de Fiscalização (artigo 22) e o Registro de Ato Fiscalizatório Satisfatório (artigo 26).
O Registro de Fiscalização é o instrumento lavrado durante o ato fiscalizatório e tem por finalidade constatar situação relacionada à possível ofensa de norma consumerista e o Registro de Ato Fiscalizatório Satisfatório é o instrumento lavrado com a finalidade de atestar que não foi encontrada irregularidade.
Ingressando na esfera do processo administrativo sancionador, vale destacar a disposição do artigo 30 da nova portaria, que prevê a possibilidade de o fornecedor, quando citado, efetivar o pagamento da penalidade, ou oferecer defesa administrativa e impugnar o valor da receita bruta estimada.
Trata-se de um procedimento interessante que confere ao fornecedor a possibilidade de, incidentalmente, e sem a necessidade de discussão do mérito da suposta infração, questionar um critério específico para o cálculo da sanção de multa, imposto pelo Procon-SP, como dito, por estimativa. A manutenção da possibilidade de impugnação, expressamente regulada, prestigia o contraditório e a ampla defesa do procedimento sancionatório, e é deveras bem-vinda.
Em específico quanto ao tema da contagem de prazos para pagamento e impugnação, o alerta: é certo que o Código de Processo Civil prevê, em seu artigo 525, caput, que o prazo de 15 dias para a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença inicia-se após transcorrido o prazo para pagamento. No processo administrativo do Procon-SP, porém, pela leitura do atual art. 30 da portaria, os prazos para pagamento ou impugnação correm em simultâneo. Atenção, portanto, com a tempestividade.
No mais, a portaria também previu os efeitos com os quais serão recebidos os recursos contra as decisões da Diretoria de Assuntos Jurídicos. Agora, ficou claro que os recursos serão necessariamente recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo, salvo aqueles apresentados contra decisões de medidas cautelares, que não contarão com efeito suspensivo, mas que poderá ser concedido pela Diretoria Executiva (competente para apreciar os recursos) no caso concreto (artigo 37). Além disso, há dispositivo expresso reconhecendo a aplicação do princípio do non reformatio in pejus, assegurandose, assim, a impossibilidade de agravamento da sanção após interposição de recurso (artigo 39).
Quanto à multa, sanção mais usualmente aplicada pelos órgãos de proteção do consumidor, a nova portaria normativa trouxe algumas inovações. A dosimetria segue sendo calculada mediante operação aritmética que utiliza os critérios da (1) receita mensal bruta do fornecedor estimada pelo Procon-SP — passível de impugnação, como visto acima —, (2) a natureza de cada infração disposta no CDC — escalonada no Anexo I da Portaria — e (3) o valor da vantagem auferida pelo fornecedor com a infração (artigo 43), o que se alinha aos parâmetros do artigo 57 do CDC.
As diferenças mais relevantes em relação ao tema dizem respeito à permissão de que a condição econômica da empresa investigada seja comprovada também pelo Dipam (artigo 33, VI) e a proibição expressa de considerar a condição econômica de um determinado estabelecimento comercial responsável pela infração para fins de cálculo da sanção.
No mais, a portaria passou a regular expressamente o direito do fornecedor de corrigir ou complementar a documentação comprobatória da condição econômica, sob pena de preclusão (artigo 30, §ú) Sobre as circunstâncias atenuantes e agravantes para a aplicação da multa, a portaria foi discreta em relação à
normativa prévia. Exemplo: para atenuar a pena, é necessário que a reparação dos efeitos do ato lesivo seja feita de forma imediata, e agora se prevê também a hipótese atenuante de o fornecedor possuir o selo "empresa verificada" (regulamentado pela Portaria Normativa nº 54/2022) antes da lavratura do auto de infração. Para se agravar a pena, é necessário que, agora, o fornecedor seja reincidente especificamente no mesmo fundamento condenatório da decisão administrativa anterior (artigo 44).
Ainda merece destaque o aprimoramento das disposições normativas a respeito da aplicação das sanções administrativas de forma cautelar. Se, na portaria anterior, as disposições eram rasas, agora, a regulamentação é consideravelmente mais completa.
A nova portaria previu expressamente a possibilidade de aplicação cautelar da sanção em caráter antecedente à lavratura do auto de infração (por despacho da Diretoria de Fiscalização) ou incidentalmente, já durante o processo administrativo sancionador (por decisão da Diretoria de Assuntos Jurídicos), conforme o artigo 52. A única sanção inaplicável a título cautelar é a multa (artigo 49), e todo o procedimento de aplicação cautelar da sanção, a qualquer momento, é regulada em detalhes (artigos 53 a 63).
A título de arremate, e a eliminar eventuais dúvidas pelo ponto de vista intertemporal, o Procon-SP deixou claro que a Portaria Normativa nº 229 entrou em vigor na data da publicação e as normas de aspecto processual são aplicáveis de imediato a todos os processos em andamento, desde que não haja trânsito em julgado. Já as normas materiais são aplicáveis aos processos em andamento se não houver outra mais benéfica ao fornecedor, também desde que não haja trânsito em julgado (artigo 65), a prestigiar a retroatividade da norma mais benéfica no âmbito do direito
administrativo sancionatório.
Como visto nessas breves considerações, a nova portaria do Procon-SP é mais do que bem-vinda. É completa, técnica e agrega, sob um mesmo teto, regulamentações esparsas ou até então organizadas sem cadência. Não localizamos, em uma análise sumária, vício que a desabone, restando apenas a ressalva quanto à questão da tramitação do procedimento em sigilo, cuja legalidade ou constitucionalidade pode vir a ser questionada, vis a vis julgado do STF
de março de 2022, na ADI 5.371.
Fonte: Site Demarest